Gabriela Canale Miola, que participou da edição do BAGAGEM em Ubatumirim, julho de 2015, nos oferta este resultado-resposta, convite- experiência do livro que ela produziu , a partir da imersão. Tive o prazer, a honra e a alegria de fazer a apresentação do livro
Segue para o deleite de todos e todas
http://issuu.com/gabrielacanale/docs/ebo_pra_oxum_para_blurb3
aqui link para comprar a versão impressa
http://www.amazon.com/Eb%C3%B3-Oxum-Gabriela-Canale-Miola/dp/1364805715
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segunda edição de BAGAGEM: caminhada como prática poética na Fazenda Serrinha_out/nov_2015

participação especial: Natália Barros
Esta segunda edição, na Fazenda Serrinha, teve ênfase, sobretudo, na produção de textos - poéticos ou documentais - para mapear os caminhos e explorações pelo território da Fazenda.
Natália Barros - poeta, cantora e atriz - coordenou uma
noite bem especial, ao lado da lareira, com leitura de poesias e textos
filosóficos cujo recorte foi
fundamentado na experiência do caminho e
dos caminhantes - de Walter Benjamin a Clarice Lispector, de Bashô a Fernando
Pessoa.
caminhadas_atelier_trabalhos realizados
Natália Barros
O lago da palavra
vou te contar um segredo, é um sopro:
o vento é meu namorado
Nos conduzimos – a temperatura é perfeita –
à beira do lago
poderia andar à esmo
mas existe
um lugar aonde ir
poderia seguir as instruções
anunciadas:
ahá
ah
rá
ah
não consigo sair da beira - da borda -
do lago
do espelho de dentro
da água de dentro
ouço a voz das cigarras
não consigo sair do círculo mágico do lago
não quero conseguir sair
será que estou traindo algo? algo lago
escrever talvez me absolva
estou aqui
você está aqui na casa do corpo
no corpo que caminha no mundo que caminha
estou aqui
na morada da paisagem
sob o sol
em frente ao lago
o lago é a água do escorpião
o fundo do espelho
[o enigma]
o conhecido enigma
estou aqui abandonada ao centro do prazer
alguém grita socorro
alguém grita socorro por mim
alguém grita socorro por si
parece um canto de pássaro
uma coruja
um pio entre as cigarras
as cigarras cantam como os monges
no cantochão om om unificado om
om om continuom om om
existem formigas que não fazem nada
que não tem função - ao menos a ciência não
conseguiu catalogar ainda -
o que, afinal, fazem as formigas que andam ao
lado, sem direção? às vezes nem ao lado vão!
vejo a trilha espessa de formigas na terra vermelha
parecem trabalhar, todas obcecadamente
mas não são todas
será que alguma cigarra não canta?
om om om
sei o trabalho que é cantar
é como ter asas, guelras, pelos, antenas
é como ampliar o corpo
no espaço do corpo
AHÁ AQUI SOU
NO CORPO DO SOL QUENTE
TÊMPERA D’ÁGUA
viajo justo aqui
no ponto imutável das coisas
esta é a minha carta de partida
que me absolvam
pois sigo o movimento centrípeto
da água que me absorve
da memória da água
do mar onde sorvo
o fundo da represa
a concha do fundo
o regresso ao mar
com o vento do mar nos cabelos
das algas
e do capim
vou gritar por socorro
embaixo dágua
onde ninguém me ouvirá
MERGULHO NO LAGO
uma longa espiral de sentidos
a carne por excelência sente
um lago, por exemplo
a temperatura da água, por exemplo
a superfície: quente
a profundeza: fria
o corpo sente através da alma
o lagoa atravessa-me através do espelho
rumo ao infinito
conjugado de dentro prá fora
lago: substantivo abstrato
lago: verbo infinitivo
caminho ao centro do texto
no lago da palavra
a palavra é anunciação da
alegria
no enunciado da liberdade

Angela Quinto
pés
e nuvens
num
incessante ir e vir
deixam
tudo escapar
bagagem
de pão e água
enraízam
menires dançantes
sem sapatos de pernas pro ar de
cabeça pra baixo, o corpo brinca Torce contorce vira camboteia gira. vê a paisagem,
suas linhas e ângulos e planos e pontos e superfícies e cores e formas e
prismas: vê tudo e em nada se detêm
o olho transvê o
mundo janela
carrossel-
caleidoscópio- trampolim- parada de mão
um giro no eixo e um espelho SPECULUM susto
suspensão surpresa – o olho olha
o olho Cá e lá riem e choram ao mesmo
tempo o verso! reverso! inverso!
foi por um
triz...
um trisquinho
que eu não me pego me olhando, capturando a carne e osso da imagem
instante do outro em mim
Vislumbre da multiplicidade no contorno do um.
f r e s t a (s)
finestra entreaberta, tempo
mágico de incompletude a sondar minhas desfiguras
agora
o olho vê o que estava oculto: inúmeras janelinhas, pequenas portas a desvelar
vazios espaços, a desmontar um qualquer coisa desconhecido, abrindo
exterioridades, anunciando maravilhas novas paisagens!
nomes
em avesso piscar de
olhos presságios
d e s m e m o r i a s
Marcelo Oliveira
Paredes de barro
Perdoe
esta descrição, mas não pense que foi compaixão o que senti. [...] Foi muito
mais e muito menos que compaixão.
Hugo von Hofmannsthal, Uma carta
Foi a grota. No meio da mata, me
deparei com um barranco circular e íngreme, que não aparentava saída. Vasculhei
com o olhar onde poderia escalá-lo, e notei, num canto, no alto, uma espécie de
degrau de terra. Como não estivesse convencido, decidi me aproximar do possível
caminho de fuga. Foi então que escutei um grunhido, um arfar rascante e
descontínuo. Tirei os óculos escuros para melhor enxergar, e entrevi, em meio a
arbustos, com uma plumagem qual paina encardida em torno do pescoço, e, no
restante do corpo, penas negras - vi um urubu velho, um urubu agonizante.
Minha primeira reação é de medo. O
urubu grunhe e bufa, não sei se está ferido ou se é o seu estertor. Posso
continuar aqui? Ameaço-o? Apesar da sua decrepitude, mantém um ar imponente,
exalando uma força intimidativa. Não posso me aproximar. As garras riscam o
chão.
A grota é um lugar fechado, sem
vento, talvez o cemitério escolhido pelo urubu: no ar só há o movimento da sua
respiração, um fluxo de vida e de morte. Nada vejo de fora: é um vale obscuro
em pleno meio dia, o lugar onde um urubu velho agoniza. Não posso continuar
aqui; o espaço lhe pertence. E me pergunto se não estou a violar alguma lei
ética natural por encarar a intimidade funda deste pássaro desconhecido,
ultrapassando o que se poderia dar no ato solitário da escrita, se eu não
carecesse de empatia imaginária. Enquanto o afronto, o urubu vira o rosto para
o barranco, intensificando os ofegos. Sei que me quer longe.
Roberto Lima
Liliana Alves
Isabel Villalba
ENSAIO SOBRE FRATURAS*
Ao modo do viajante,
a proposta de caminhar por um território desconhecido, à deriva, sem rumo
predeterminado, bússola ou mapa, guia minha caminhada e provoca uma fratura no
meu tempo e espaço, colocando entre parênteses o devir cotidiano.
Os diferentes
deslocamentos, realizados uma e outra vez, em solidão ou em grupo, ativam
lembranças de outras épocas, registradas na mente e na pele. Surgem imagens,
cheiros, sensações táteis, a percepção se aguça, eu e meu corpo em movimento.
O território tem
diferentes níveis de dificuldade, às vezes o solo é mais plano, outras com
desníveis muito pronunciados, como no caminho à represa da Cantareira: primeiro
me deparo com um rasgão vermelho e profundo na terra e mais adiante vejo as
fraturas doloridas do solo seco, sem água.
Mas entre as
rachaduras existe vida também, aparecem pequenas plantas, a paisagem está
mudando. Entro no jogo elaborado coletivamente que estabelece ações a serem
executadas por cada um de nós, e percebo que vou desenhar meu próprio percurso
e faço desvios porque vou descobrindo no caminho outros caminhos que me
interessam.
Registro, fotografo,
desenho, sinto e percebo, marco em minha memória estes dias de imersão.
*título da primeira obra de ortopedia escrita por um brasileiro, Manuel Alves de Costa Barreto, em 1797
*título da primeira obra de ortopedia escrita por um brasileiro, Manuel Alves de Costa Barreto, em 1797
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